sábado, dezembro 08, 2012

D.

Dezembro, você não é tão
importante.
restos e peças inacabadas.
rastros e alguns olhares
de ódio e compreensão.
Um avião que cai mas
não mata ninguém.

domingo, novembro 25, 2012

o verão se aproxima nos meus dedos a impressão que fica
a digital  cristalina
não é um rosto ou gesto
seu espelho, seu reflexo

é seu não, seu recuo
é quando não entrou por aquela rua, sob a escolta do escuro
invisível
também a mim

segunda-feira, outubro 29, 2012

notícia


no jornal não consegui saber o dia
poderia sair e na rua
enfim chuva, enfim noite, enfim tempo

alguém vai em meu nome
um senhor até encontra, com
cheiro de metáfora

me conta tudo antes de dormir
sua cara de Kafka, e me entende
ainda não sei a data

sei que não esclareço 
o sol, moço de terno bem cortado
me força, mas não precisa implorar 

refaço caminhos, pergunto 
que dia é hoje
3 de janeiro de 2012,
responde um passante
dia da morte de
Josef Škvorecký
um escritor.


domingo, setembro 23, 2012





Meus sapatos andam no teto, seguem
uma lógica alienígena a mim
carregam dentro algumas cicatrizes
não sei se minhas ou de quem

ando descalço pelos  lábios que
estalam frases lidas, rimas infantis
algumas noites percorrem corpos que não falam.

vestido com meias e calçados iguais a todos
amor de mãe, irmão, atriz
de línguas que embalam meu retorno
volto pra casa e venho de longe – sempre

o que é de mim não é remunerado
vai ao acaso, leva, o amor alhures
chego em casa desencontrado
e sem sapatos – impune.

terça-feira, setembro 11, 2012

eles veem






se eu pudesse ver estradas que não fossem só palavras.

mas as palavras pulam asfaltos,
ou me fazem pular
elas continuam as mesmas
em outras bocas

palavras juntas
um caminho, um mapa
quero pensar que escrevo


o que veem em mim verdadeiro
quando ando meio torto, caído na rua.
As palavras não escondem, me perco

sábado, agosto 18, 2012

Já é janeiro
não houve pausa
após dezembro
as palavras ainda brincam
eu precisava de um tempo entre esses dois meses

quarta-feira, julho 04, 2012

Com uma nova aparência
e sua letra nova
nos cantos da mão o esforço

a boca ainda se testando
alguma pessoa nova ou que saiu agora
de um longo descanso


impossível reconhecer, no entanto
o espelho só mostra, não os olhos
não as mãos e nem palavras


o que resta, estranho

domingo, maio 20, 2012

não
ainda não desisti
não estive perdido em salões,
erro meu talvez

uma vez que me assuste até
com a minha sombra

o mar aberto se fecha
a onda que se forma, carrega
escombros e esperas

doses desconexas
vento nas mãos, numa prece:
que escrevam, que escrevam
que escrevam.

quinta-feira, abril 26, 2012

(perseguições)


produto de limpeza
um texto brilhante
cristalinos de um gato no escuro

um canto Elis que Callas
uma santa que levita
uma poesia inacabada

o final que escrito escapa
agulha cai pela escada

me perpassa cada suicídio,
quer precipitar a felicidade
na palavra - e enxágua.

segunda-feira, abril 09, 2012

simples

Fácil, que a gramática não se estique
calmo o palácio rindo bonito do alto
um forno que se aquece pra joão e maria
rainha que rói e rato que fala
fala fala. Fácil, que não se empolgue
e morre arrastado à corrente que se vê
pescoço braço e mão, mãe e irmão
que cantam cantam. No vão, no externo
que não suportam que expulsam
que ensinam – e reduz, o coração.

quinta-feira, abril 05, 2012

alguma coisa

Porta fechada
janela de pontas escuras
árvore na água turva
música um dia tocada

um breve
lento
dilúvio

um coma num suspiro
uma fantasia cinzenta
que te aperta à cintura
e te escuta
escuta atrás da porta.

sábado, março 24, 2012

Cega-ti


Não se entregue
À mão
fogo corroendo a visão
e o calor, o seu corpo, um dia

Amigos no bolso, na avenida
e a luz te diz enquanto apaga

Será um dia sem vestígio de sol
tudo o que fez na véspera, na antevéspera
vem a tona como um juízo final

Por entre os dedos de sua própria prisão
você se convence
que não pode mais ver, que não enxerga mais
nada
um peixe cego, pálpebras abertas, na escuridão.

segunda-feira, março 05, 2012

P/ Ingrid Jonker




Não se preocupe, está tudo aqui dentro
entre as minhas pernas
no sangue que escorre para o mar
sou tudo que vejo indo embora
a criança, me estende o braço, morta


nessa hora que se agiganta, minhas roupas frouxas
louca, a chuva me persegue
e mato minha única dúvida
escondida sob minhas unhas


asas escuras se separam de mim.

domingo, março 04, 2012

outros

A promessa um quarto de vidro
o ar esconde um ser vivo que
arremessa o próprio desejo
nos morde e permanece escondido

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Externo

Amor-fa
faz
desaparec-eus
a música
atrás
de sua
última presença
amorfa

a carta
carícia de seu destino
o endereço sombrio
de suas mãos

vozes e fome na loucura
surtos e surras na noite
que não canta. Dia, faca
que não brilha

e à tarde é que se ingere
a falta
invade e no seu retorno
nos evapora.

domingo, fevereiro 26, 2012

Não Traduzido Não traduzido

Tudo ainda é raso. escrito
razões inoportunas. Sou
esse amontoado de esquecimentos
e há dias que esqueço cada
palavra que dedico.
A ninguém é dado dons conflitantes
e só uns poucos é que dizem
Ouço meu nome no escuro.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

repassado

robert doisneau  


gotas de um estilo
que escorrem enquanto não vejo
o que percebo são linhas quase extintas

mas retrocedo ao quintal
e mesmo não sendo o da minha infância
prevejo um futuro bom

o que retorna é um passado limpo
saído das sobras e filho de sombras
e a linha quase extinta se torna instinto

e sobrevivo
e o escrevo, sinto e distribuo.

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Asfalto

o gato está morto no asfalto
seus miolos pelos lados
insisto em ver pombos por ali
por baixo de suas penas
penas de abutre
enxergam odor e charme
comem o que podem, a hora se angustia

insisto em uma música que afugente
mas o passado escolhe os meus olhos
e ninguém me vê
preso na esquina alguma vida aparece
mexe em restos e desaparece como um rato

frascos vazios junto ao lixo
revelam algum remédio
mas como comprovar seu efeito
fico imaginando. A hora se fecha e
volto pra casa.