sexta-feira, março 02, 2007

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— Deu pra fazer bolos agora, vê se pode!
— Não tem nada demais.
— Antes andava de um lado pr’o outro, não ajudava as crianças, agora faz bolos pra elas, um homem nessa idade, velho, pra você não é nada?
— Para você é? Para mim não é nada, ele não paga meu salário, mas o filho dele paga.
— Nossa, também não é pra tanto, só estou dizendo que o que falam do jeito como ele era, você sabe, agora ficar fazendo bolos.
— Eu não me importo.
— Velho não se importa com nada, se você fosse casada com ele — importava.
— Não sei.
— Te conheço, pra você ser velho é só ter mais idade.
— Sou assim e não me importa.
— Você gosta dele de avental, né Bem?
— Se gosto não me importa.
— O quê?! Eu sei... sei...
— Fica quieta menina...
Entra ele, velho e de avental.
— Tem sal?
— Tem sim seu Roberto, ali ó.
Ele sai.
— Viu ele, perguntou se você tem sal, não precisa ficar vermelha.
— Não seja parva menina. Me respeite, tenho mais idade. Não fico mais corada.
— Sei que você gosta das mãos dele, são fortes.
— Você sabe bastante coisa...
— Sei. Sei que ele lhe prefere a mim, uma pena. Mas será que ele dá no tranco?
— Acho.
— Pra mim ele só serve pra pedir sal.
— Para você, se for...
— Quem diz que velho...
— Me respeite, sou idosa.
— Não quer que rio, né Bem?
— Só acho que ele ainda pode.
— É, velho sempre acha que pode.
— Já disse para não ser parva, jovem é que sempre acha que pode.
— Isso é verdade. Vou tentar.
— Não vai tentar nada, ele é meu.
— Ah, agora é assim, Bem?
— Ele é meu em outro sentido.
— Percebo, sei como é.
— Não fala besteira, você não sabe nada.
— Não se preocupe, ele não gosta das magrinhas.
— Não gosta. Eu sei há muito tempo.
— Não vem com as suas histórias.
— Sim
— ?
— Sim, histórias.
— Mas dizem que o filho bate nele.
— Se alguém bate, é a nora.
— Nossa, eu que não quero ficar aqui muito tempo, já te bateram?
— Só quando era muito nova, mas ele não fazia nada, nunca fez.
— O neto também bate, dizem. E as roupas? Só o avental é novo.
— Gostam que ele faça bolos...
— Nossa. Mas sabe de uma coisa? Estão baixando meu salário, vou embora mesmo.
— Disse isso há um mês...
— Mas o velho...
— O quê? Apaixonada?
— Deus me livre, é que intriga.
— Deus o livre, mais uma para escravizá-lo.
— Não seja bobinha, Bem. O Amaria muito.
— Nem me diga.
— Ele já me elogiou. Disse que me pareço com a mãe dele.
— Disse?!
— Sim, por quê? Ela era feia?
— Uma rainha. A mulher mais bonita que vi.
— Por isso que estou lhe dizendo...
— Por quê? Ele não tem dinheiro.
— Não me importa.
— Você está enganada.
— Mas meu bem...
Ele entra, velho, sem avental. Há ainda a barba rala, por fazer, talvez não cresça mais.
— Há mais sal?
— Tem sim senhor Roberto, no mesmo lugar... isso... não tinha visto?
Ele sai.
— Por que o chama de senhor?
— Oras, e você o chama de ‘seu’ , Bem. O que será que anda fazendo com tanto sal?
— Não tem nada demais, se é para as crianças.
01/Mar/2006/