domingo, maio 19, 2013

Cecília Meireles

Conheço a residência da dor.
É um lugar afastado,
Sem vizinhos, sem conversa, quase sem lágrimas,
Com umas imensas vigílias diante do céu.

A dor não tem nome,
Não se chama, não atende.
Ela mesma é solidão:
Nada mostra, nada pede, não precisa.
Vem quando quer.

O rosto da dor está voltado sobre um espelho,
Mas não é rosto de corpo,
Nem o seu espelho é do mundo.

Conheço pessoalmente a dor.
A sua residência, longe,
Em caminhos inesperados.

Às vezes sento-me à sua porta, na sombra das suas árvores.
E ouço dizer:
“Quem visse, como vês, a dor, já não sofria”.
E olho para ela, imensamente.
Conheço há muito tempo a dor.
Conheço-a de perto.
Pessoalmente.

- Cecília Meireles

quarta-feira, maio 15, 2013

viagem

é perfeitamente adequado
eu esquecer a poesia
e me dedicar ao ódio
e dele mesmo me esquecer

não sou eu e é a ele por quem ando
para que seja outro homem
nas mesmas pernas
na página imaginada
onde nunca escrevo

mas morrendo agora mesmo
terei certeza de que o que sobreviva
respire?

ou
amor
ainda não
ou nunca mais
amor

ou pelo menos olhe
não para a queda, não para o chão
nem para si mesmo
mas para tudo que foi rasgado
e rasgue mais