sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Não Conheço Ninguém Por Nome


Obrigado à Hilda Hilst porque fiz esse fragmento e especialmente por causa do ‘vão da escada’.









Queimar as pílulas pra não jogá-las na pia: era isso. A piada. Uma estratégia. Alguém ajudando no pé do ouvido dizendo. Dizendo ajudas, mesmo que não adiante, queime os remédios.
As histórias aqui, que você diz, não é o quero que você entenda! entenda!
Uma terceira voz fala: obedecem. Gesticula um. Ninguém quer dizer que na gaveta fácil do criado mudo — caixas cheias com aquele remédio. Amigos de pó ou do pó.
Eu sei descobrir se você está ou não dormindo nesse quarto, onde fica o criado mudo. Meu ou mal. Sempre você: ou é bem ou mal. Não há desculpa por você não se desculpar. Debaixo do umbral desse quarto você não diz não. Mal, eu admito. Mas sem desculpa. Cruzem os dedos ou rezem. Não dá um ano isso dos remédios. Alguém pensa que se uma quarta voz aparecesse as coisas andariam bem. Volto a ressaltar depois desse pensamento de alguém que os remédios — que não são remédios — não tem importância, era já pra ter dito isso antes. Alguém sai e agora só há homens no quarto. Querem esperar uma mulher. Outro espantado respira e seu nariz — fino e longo — fica vermelho e expande e dilata e estreita. Um com voz bonita, mas que não canta graças a deus, fala sobre as importâncias. Não resistem, vamos sair, ir pra sala.
Rir seria uma saída pessoal pra todos, mas juntas ficariam como gente louca e todos não queriam isso. De novo o dinheiro, quando não se fala dele, agora, ele vem antes. Eu sabia sabia, eu já sabia, alguém diz. Na sala cadeiras azuis e pequenos quadros verdes na parede. Eu queria ser aquele remador. Alguém contrai a face e contraria esse último falando ah, por favor, sem isso!! Ninguém ainda fez pergunta aqui. Eu fiz. Eu fiz.
Parem vocês, gente louca!
Minha gente.
Quero dizer que não há nada que impeça que o que está acontecendo seja contado.
Não contarei,
Eu não contarei:
Ninguém me conta nada.
Por várias mãos, eu me humilho. Alguém diz que não venha com essa como os sentimentais de merda que sua mãe lhe fala e ainda todo dia. Isso não é verdade! Olha só, prestem atenção em mim: Eu perdi palavras que anotava neste caderno, um diz folheando um papel, ali ele dá recitas. Numa casa de mulher só há homens disparatados. Isso de novo não!
Quem vai falar quando chegarem?!?
Você não pense em escrever com essa letra de médico.
Mas minha letra era bonita, só foi ficando arrasada — arrastada — quando comecei a fazer medicina.
Pessoal, calma: a morte é uma coisa terrível, ainda. Vamos vestir roupas diferentes. Todos concordam, Essa última voz parede com outra voz, de um deles. Ninguém liga. Com cabeças pra baixo saem da sala.
Um corpo está no jardim, retorcido. Se retorceria mais se estivesse vivo. É o corpo que eles temiam por morrer a cada milésimo que apodrece. Todos com tanto amor. Mas aquela mulher no jardim, morta, viveria se por eles ela dependesse. Todos ainda desejam seu corpo que há poucos dias já tinha sido deles, separadamente. Se entenderam depois quando se encontraram. De quem ela era se estava no chão caída de cima de seu quarto. Tudo é tão preso neles que agora ela é mais que livre, morta. Não conheço você: transpor esse umbral. A loucura parece melhor que isso. Todos dizem sim. A loucura saia barata. É mesmo, dizem. Transpor esse umbral.
Então tá: vamos dizer que não somos nada e ela?
Você não vai conseguir pensar assim porque ela não era abstrata.
Finalmente alguém que eles queriam chega. É tão novo quanto uma criança grande e lúcida. Logo se vê que é um prodígio irritante, diz que ela diria que eles estão com ela no vão da escada. Ninguém podia se olhar como no começo.

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