sexta-feira, janeiro 05, 2007

As Tantas Patas de Um Mosquito

'I could sleep for a thousand years
A thousand dreams that would awake me'

'Poderia dormir por mil anos
Mil sonhos que poderiam me acordar'
Venus In Furs,Velvet Underground


'As histórias não têm desfecho.'
Alberto Dinis

' - Nonada.'
Guimarães Rosa


'Your confusion
,My illusion,
...
Hunting by the rivers,
Through the streets,
Every corner abandoned too soon,'

'Sua confusão,
minha ilusão.
...
Caçando pelos rios,
através das ruas,
em todo canto abandonado tão cedo'
Atmosphere, Joy Division

'A Literatura é sempre uma viajem à verdade.'
Franz Kafka

' No outro dia havia luz cruel [...]'
Ana Cristina Cesar


Charles procurava um mosquito, gostava de mosquitos. Do jeito de suas patas e de como parecia que flutuavam no ar. Suas tantas patinhas. Gostava dos que tinham patas mais longas. Também de como se balançavam nas teias e capturavam outros insetos. Como conseguiam fazer aquelas teias e andar nelas tão bem? Às vezes pegava uma descendo do teto por um pequeno fio de teia, segurava e descia suavemente.
A casa que parecia pequena sempre, sempre estreita, se alongava quando via as teias do mosquito. Naquela casa só havia um mosquito num canto lá em cima. Às vezes o mosquito desce e faz uma teia. Charles não destrói qualquer dessas, só de vez em quando as de lá cima. Podia jurar que ele sentia calor perto das teias, fica com as mãos perto, parecendo se aquecer. Quando acha teias caídas e sem uso, pegá-as com força, cauteloso como se passasse o dedo pela chama de uma vela, mas ele aperta a teia com força.
Se a mãe percebe ele solta. Seus oito anos, ainda os conta nos dedos. Não tem dó dos insetos que caem na teia do mosquito, a mãe diz que tem e destrói a teia do mosquito. O mosquito cai e parece desorientado, suas tantas patas se arrumam e vão pra baixo da mesa, da cama, ficam debaixo do sofá, sobem para o teto, as patas.
-- Querendo me matar. Essa era a voz do irmão de Charles indo embora, voz com raiva e com medo que falava diretamente à mãe, que não quis se importar.
A mãe nervosa sempre, um dia mandou Charles para o quarto, ele demorou, ela o empurrou e bateu com força a porta, que não se fechou, um dos dedos do Charles quebrou impedindo o contato da porta com o batente.
Sonhou que um mosquito andava pelo gesso que estava em seu dedo, talvez até os olhos do mosquito ele sonhou.
O sol estava forte no dia seguinte, a mãe saiu cedo e não voltaria cedo. Era manhã de domingo. A janela do quarto de Charles era de madeira pesada e estava quente, alguns raios de sol passavam mostrando o pó dançando no ar. Embaixo dessa janela o mosquito fez sua teia. De dias pra cá muitos mosquitos apareceram, bonitas teias pela pequena cozinha, na sala longa, no banheiro, nos armários e estantes.
Depois de abrir a janela, Charles olhou o mosquito que estava no chão com suas oito patinhas pra cima, contraída, morto. A mãe chegou, tirou seus vestido vermelho e branco, colocou blusa e saia. Bebeu um copo de água, conferiu o relógio, viu que era tarde. Olhou para o filho, disse:
-- O que foi?
-- Isso. Charles mostrou o mosquito em sua mão.
-- O que é que tem?
-- É um mosquito.
-- Não Charles, isso não é um mosquito, é ...
-- Mãe! Falou Charles , assustado.
Havia andado no rosto de sua mãe algo como ...que as patas dianteiras se juntavam e se esfregavam e pareciam estar com fome. Tinha asas que como pequenas folhas transparentes, que só apareciam as nervuras. A mãe levantou, incomodada, e foi atender alguém à porta. O bicho levantou vôo, perdeu a direção por causa da lufada de ar que entrou pela porta. Charles acompanhou esses todos movimentos, levantou a cabeça, o bicho agora se retorcia, suas patas pareciam tantas, estáticas por momentos, depois vibravam, suas asas estavam tortas e mal arrumadas, estava totalmente preso numa teia no teto perto do quarto de Charles e zumbia.
1/jan/2007
à noite
CCA

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