sexta-feira, setembro 29, 2006

Significa Mania ou No Éter, Singrando


Olhou a grade da janela, viu a rua. Tocou no corrimão da escada ao mesmo tempo que ouvia que não era para correr, olhou novamente a grade. Estava sentado no banco da praça, com a cabeça abaixada, arrastava o pé no chão, eu sei que meu tênis vai estragar assim, pensou Carlos. Depois voltou para esse mesmo banco. Diziam para ele que sua fama só crescia, mas agora sua mão estava um pouco macerada, abriu e fechou a mão, conteve o grito; a comissura da boca, do lado esquerdo, lhe doía e lhe sangrava.
Disse: " Correu sim, subindo aquela escada, estava escuro; ele sentia a respiração de algo. Chegou à porta e começou a chutá-la, gritava enquanto fazia isso. ‘Abre !’, gritou; ‘Abre !’, tornou a gritar e chutar; ‘Abre !’, mas calmo dessa vez; disse totalmente sóbrio: ‘Abre !...’; No que chamo de estertor, disse por vez última: ‘Abre.’, lembro disso, é ".
As duas lâmpadas brilhavam muito, estavam as duas juntas, uma ao lado da outra. Delas soltava-se um som, eletricidade. o quê os meus nervos estão fazendo, é o que você pensa? perguntaram a ele. Mas agora sua mão doía numa constância que seus nervos criaram uma temperatura quente, olharam-no todos. Não lhe deram o éter. No chão de seu quarto este líquido escorria devagar, formava uma poça, pequena. Nunca mais os fogos de artifícios parados, sempre já explodidos, sempre pós sempre parados.
Disse ele: " descemos um barranco, estavam comigo mais dois, os conhecia, mas não sei quem são. Estava indo comprar camisas. Chegamos a um córrego, era grande como um rio; estava muito sujo; barcos ocupavam todo o rio, em pares. Andávamos normalmente, parecia que pessoas moravam lá, como uma favela, mas era mais parecido com um mercado de camelôs, porque os barcos tinham cordéis e mostruários como nos camelôs. Um dos que estavam comigo foi embora, o outro estava assustado, a polícia estava por perto. As camisetas estavam lá, me tampavam a visão, é...".
E Carlos ficou muito assustado, ouviu um tiro, sabia que se o pegassem o matariam. Ele correu, saiu do córrego; virou duas ruas, olhou; à sua frente, uma grande escadaria branca com colunas enormes nas suas laterais. Ele se escondeu numa sombra - mais tiros -, aí correndo muito chegou em sua casa. Estava com uma camisa diferente, nova, ou achava. Chegou em casa, ajudaram-no. ( Ele delirava, não existia dois que ele conhecia, mas não sabia quem eram; nem barcos e camelôs; nem policiais; nem córrego ou rio. Nem tudo no delírio é verdade asfixiante, a escadaria longa, rodeada de colunas existia, pelo menos de outro modo, não era delírio, era sonho.) As histórias de violência inundam um mundo molhado por ela mesma, mas não havia essa violência, um mentiroso como Carlos infundia na cabeça das pessoas seus atos nesse mundo dele. Essas pessoas acreditavam, pois o que incendiava a cabeça dele se tornava na cabeça delas uma mentira incrustada de loucura, como o vício, tão real.
Quem um dia realmente acreditou na loucura? A loucura como mais uma parte de nós no mundo, mas seria asfixiar-se.
–- Os meus nervos se desconectam é o que quer que eu diga? Quando encostei minha mão no vidro da janela, o que senti foi o contrário, disse Carlos. Essas palavras são a tentativa de um espaço, talvez o mesmo acontece depois que batemos a cabeça, imediatamente depois que batemos a cabeça.
Foi então que o prenderam em seu quarto, sem éter. Uma chance, sibilou a mãe, que era tão jovem, tão jovem, tão jovem., porém o som passou pela porta e ficou macio e sumiu. Foi só alguma chance abafada pela tempestade lá fora. Uma enxurrada alagava bairros e casas, quem quisesse ratos que esperasse com um saco de estopa em sua casa. Deram-lhe comida, deixaram ele tomar banho. O banho quente o fazia suar. Ele via pelo basculante.
Carlos disse: "Poliço. Poliço. Tirse. Tenrazão.". Toda a estética dessas palavras era a tenra razão, são essas horas que rir é parecido com respirar.
O barulho da chave, ele percebeu. Fechado. Caiu e caído:
As paredes estavam molhadas, úmidas. As quatro paredes molhadas e era como papel, o líquido se espalhava mais e mais. O chão também estava molhado, nele estava Carlos. Agora não sei se havia sorrisos nele, mas via o éter todo, escorrendo. Não precisava mais, agora todo o éter escondido em cada centímetro de parede se expandia, devagar, feito uma nascente e brilhante como luz. Carlos se afogava, era uma glória... seu barquinho de quando criança singrava perto de sua cabeça. Naquela inundação de éter, o que se salvava eram as roupas, as roupas estavam meramente secas.
Era uma briga, muitas pessoas se empurravam. Seguravam-lhe pelo braço, não conseguia se soltar, quando virou para ver quem era, tomou um soco. O braço o soltou, ele caiu, aí então lhe pisaram na mão, com força. Ele gritou, quantos gritos haviam que o de Carlos se extinguiu por si só sem mesmo querer. A mão macerada, a comissura da boca sangrando, sentado num banco pintado com várias linhas verticais coloridas, o louco da Aldeia pensou que se ficasse quieto, se respirasse pouco e devagar conseguiria ficar bem. Esperando o próximo momento, quando estes –- agora –- pensamentos cessassem, apostava.
26/Set/2006-CCA

3 comentários:

Lady Cronopio disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anne fabula disse...

Realmente vc escreve bem. Até quando diz que nada consegue escrever, que não revisou muito bem, sai um ótimo texto.
Eu quero um dia ter essa facilidade-não-fácil.
Parabén moço!

Lady Cronopio disse...

Eu escrevi um tantão sobre este seu magnífico texto, mas os deuses não quiseram a salvo...
Nada me resta então, a não ser abençoar estas suas divinas mãos que escrevem (e como escrevem, e torcer pra que logo saia o seu livro!
Até agora, sua prima obra.
Tudo aquilo que você sabe.
E sempre!
Meu herói.