quarta-feira, julho 26, 2006

O PLURAL DA CADEIRA

Nem sei como digo a última parte. A ação do tempo foi mais fraca em quebrar minhas pequenas verdades do que a casa de minha avó. Via de longe o que não enxergava e por isso não pressenti, vislumbrei ou senti a morte de meu avô. As crianças foram embora, fiquei sozinho na casa, fiz um favor, estava sóbrio. Meus olhos caídos me derrubaram, sozinho, não me manifestava. Mas me agitava, o coração batia e no anacronismo do momento andei sem levantar os pés, sem segredo, mas é preciso levantar os pés. Andava pela casa. O guarda-roupa se mostrou, não vi rosto, derrubei-o no chão, antes dei o galo ao vizinho, fica com ele.
Percebi minha respiração, agitação. Vai esquecendo os sons, nem fita, nem asas, nem portas, vai esquecendo a imaginação. Eu pulava! Agitação de rir: começa, devagar, abre os lábios e gargalha, sabe como é? Fui correndo, gargalhando pela casa, tocando as paredes com as mãos, voltava, tocava novamente e ria. A luz do sol iluminava tudo, a poeira subia, brincava mesmo! Tinha medo e o escondia pulando. Pulando sem parar emprestava ao medo a alegria e tirava-lhe o instinto que sempre achei que não tinha, ingenuidade minha.
Dentro do quarto do meu avô, senti o puro medo, que subjuga alegria e nos permite pensá-los em tubos de ensaio: o medo líquido. Todas as cadeiras são armadilhas, mas eu não entendia, não mesmo, o que são duas cadeiras, uma sobre a outra, elas juntas não eram uma armadilha. Só entendo agora, porque aqui as cadeiras são poucas, duas assim, juntas, são o que há depois da armadilha.
Estas cadeiras que via eram mais terríveis que o infinito que se apresenta quando um espelho é colocado na frente de outro, era maior e mais atmosférico. Se o galo emitia inexpressividade e o guardador de roupa capturava expressões, estas cadeiras eram a própria Inexpressividade. Não tem enigma nem invenção e poesia e é pior porque está dentro do tempo e da vida: é perecível, porém em cada momento mais eterno que qualquer ser vivo. Estas cadeiras não me permitiram chorar, são a abstração de minha mente. No chão com as pernas tortas não respirava, como quando o vento não deixa seu rosto. Com você as cadeiras não quebram, mas ficam tortas! Isso é bom. Não vivencie isso, lembro que falou da morte, ela parece misericordiosa, mas mais fraca, a escolha é isso aqui.
É tudo que acontece quando não se escolhe, são objetos que ditam as coisas e nós os escondemos. Os arredores daqui emitem chiados, os barulhos de que falei. Como toda brincadeira tem um fundo de verdade, toda vida tem um fundo de abstrata. Percebo agora que sempre quis tira-las de mim: as cadeiras, quando as vi, notei que fora elas funcionam do mesmo jeito. De tudo isso que é verdade eu brinco: Estas cadeiras não existem! E se te vejo te digo: O som pára quando não respira, como quando as folhas das árvores caem e está calor, o clima seco, o pó e o cheiro das folhas seca se espalha, você não respira, você ouve e aí, se cogitou ser abstrata, então não é.

Dominico

P.S.: Abro aspas depois de fechá-las: “.
D.



Clayton Camargo de Araújo Julho/06

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