quinta-feira, abril 19, 2007

Citizen Outland #1





Sacoleiras
As sacolas faziam um barulho insuportável para o cachorro que saiu fugido de dentro do ônibus aos gritos da dona que mandou seu filho atrás e disse " vai atrás dele e não precisam vim junto" o filho com protestos como: "Mas mãe eu quero ir". Ele acabou indo atrás do cachorro chamado tubarão. Isso em Recife. O calor impune não estragou as muambas tão falsificadas mas não estragáveis como disse um popular depois "Mas não estragavam fácil, o senhor tenha certeza". O ônibus partiu com as sacoleiras, o motorista muito mudo mais do que o normal não disse certamente o que queria também como a maioria das mulheres. Subindo a estrada mal feita de poeira seca. A mãe do menino que saiu consolava uma que chorava manso por causa dos cornos que o namorado lhe colocara e a outra dizia "Não se preocupe você é muito moça" . Das Cruzes, mulher já de idade que estava sentada atrás da moça chorosa já não mais suportava ouvir os lamentos, levantou e teve uma vertigem forte quando o veículo balançou e também quando viu o barranco que se estendia e não estava acostumada.
Gritos não estridentes e sim incrédulos, como se não acreditassem. Disse um popular depois do acontecido "Isso não acontece normalmente" e parece que isso era o argumento que fazia com que os parentes das vítimas colocavam sua fé, acreditando que elas estivessem vivas.
Morreram todas sacoleiras e o motoristas quando caíram de um barranco durante cem metros. Nas imagens tele visionadas as muambas não apareciam e não foram vistam assim como as sacolas.
18/Ab/2007/
me fazer de triste morto
e eu em pedra peço
os olhos se acham:
de mais de uma pessoa
duas três quatro
ou nem cinco
doses de morte
o que abrange não
importa não há mais
vermelho de sangue
e de olhos
sou material, vivo aqui
e meu espirito é seqüestrado
em lances de escadas
caídas e possíveis dormentes
de trilhos: para personagens
que se encaram, não me olham
cinco seis sete
e que há de tanto assim
pra que mais de uma
vez nasçam cada hora
certezas impunes

sexta-feira, abril 13, 2007

Vejo Meu Cérebro

Me diziam há tempos garoto não vai por aí. Hoje um cara de olhos muito vermelhos perto de um bar me parou e perguntou se eu não tinha um real pra dar, não tenho, disse baixo, fiquei com medo, senti minhas mãos suarem assim como as minhas costas e isso depois, depois de já estar totalmente seguro. E isso não condiz com o que eu era, é claro que lembro muito daquela época, mas não passo mais tanta fome quanto passava. Nem passo mais fome, longe disso. Tenho dinheiro que não sei onde colocar. Andando e pensando é o que faço agora. Tudo parece igual: as ruas e casas, são diferentes, mas num mesmo estilo tão copioso e enferrujado e concreto rachado de muros e calçadas que é tudo igual. Essas ruas só sobem descem sobem e descem e vejo agora o mato grande avançando numa casa abandonada, mato e concreto me parecem tão integrados como osso e carne de um animal vivo só que mais: como osso atravessando a carne, tudo vivo ou vagando. Vagando vivo. Apanhou e saiu tanto sangue e um tiro, por final, na cabeça, que sua massa encefálica vazou no chão e sua mão permaneceu agarrada a um poste. E a mulher desse homem viu tudo e saiu dizendo não sou mulher dele não sou mulher dele e saiu sangrando porque estava menstruada e dizem que sentou na privada de um lugar e a privada ficou vermelha e o sangue saiu só depois de tanto tempo.
— Continua, o que aconteceu a essa mulher?!
— Conto se você me levar pra sua casa.
Ela muita safada disse que sim.
— Enterraram o marido sem cérebro e ela foi.
Continuei rindo:
— Teve gente que pegou o cérebro e comeu. Não, não sei se é carne, mas tanta fome.
Depois disse pra ela que ela gritava e gemia muito, ela respondeu que
— Sim.
Andando e pensando. Paro nesse banco, pego meu Alcorão, leio e me acalmo . Só que ela descobriu que eu bebia muito e me despediu. Tão jovem e bêbado crônico. O que isso que ela quis dizer de crônico? Sou alcoólatra sim.
— Sim.
Meu emprego me dá extremas condições. De tudo. Mais um pouco faço o que quiser. Levanto, atravesso a rua (olho para os lados, não quero morrer) e chego a Cooperativa. Sou amigo deles, nos meus dias de folga às vezes passo o dia todo aqui, saio cheirando água sanitária. É uma Cooperativa de reciclagem, me junto ao pessoal que usa essa água. Levo minhas radiografias, então eles mergulham elas nessa água e a tinta sai só fica aquele plástico azul que usam. Uma vez levei um pouco dessa água com a tinta e taquei em uma planta que não gostava. Quando acho que estou com fome eu rio. Nunca tenho fome como quando era muito pobre, mas é claro que penso às vezes que estou passando fome. Levo minhas radiografias pra lá e vejo tudo sumir escorrendo, doenças e ossos. Osso de galinha na garganta é o que acontece enquanto não combatermos coisas das mais esféricas às embrionárias. Levei um soco por falar isso. Nesse meu emprego não tem mais isso. Consegui tudo isso, estou praticamente rico. Não há mais casas e casas caindo ou favelas barracos. Sou sortudo e sei, sai de lá e isso me deixa eufórico. Eufórico nesse apartamento. Irei para Londres, aprenderei inglês fácil e fácil. Se um dia eu morrer falando inglês: and my mind is moving low. Rio não de Janeiro, rio. Viver e não vagando em Londres. Ainda sim hoje eu parado na janela do meu apartamento olho que lembro a maior felicidade que foi quando meu pai e minha mãe me acordaram e acordaram meus irmãos abriram duas caixas em cima da mesa e me mostraram latas de conserva e abriram as portas do armário descascado e com formigas e lá, em todos os lugares latas e mais latas latas de salsichas e legumes e sardinhas e carnes, meu pai saiu e voltou com mais caixas, olha aqui tem lata pro resto da vida ele disse e com mais latas nas mãos, latas tão pequenas e muitas espalhadas até no banheiro e enterrado no chão-quase-batido pra nenhum vizinho roubar. E eu tão feliz de explodir, por que eu não explodi? Mas tão feliz de amar até as formigas que andavam em mim e amar meu pai e mãe tanto e beijar meus irmãos mais sujos que qualquer um, mesmo que as latas não durassem muito e elas não duraram. Felicidade, felicidade tão bronquitíca.
Até hoje lembro todos os movimentos de todos naquela manhã, um e outro o que faziam, onde suas mão iam e sua pés juntos de frio e pulantes de alegria. Todos como radiografias, aquelas pessoas comigo naquela manhã. Exultante eu estava como se pudesse dizer qualquer coisa. À noite eu levanto e vejo minhas prateleiras cheias. E não há mais nada, como é bom. Não tenho nada e como é bom. Sou um rico perfeito. Agora. Agora. Comigo acontece tudo assim, agora se quiser explodo tudo, acontece tudo assim, o importante, nas desoras.


"It's the end of the world as we know it.
It's the end of the world as we know it.
It's the end of the world as we know it and i feel fine."
R.E.M.

quarta-feira, abril 11, 2007

Queimando na cama ou Simulado nas muitas Sombras

Queimando Na Cama Feito Graveto
Ou
Simulado Nas Muitas Sombras
Das dentadas impróprias
vibra a carne, se
suporto a dor e queimo
o braço o sangue pára
Nessa hora meu olho vesgo
vibra sua carne: córnea
iris, cristalino: expandidos
Dentes impróprios renegam
e mordo, mais outro braço
olho o sangue ferrugem dilatado
curto a hora, inseticida para
baratas que correm e pessoas.
Engordo quilos de ossos
tiro um dia de voto de silêncio
silencio visões de freiras e
dentes nus. Nu eu mirrado
exijo.
De banho tomado
falo coisas falo coisas às
pessoas vizinhas
descontentes riem fingem.
Na minha terra sempre há dentes
nas mordidas e eles vêem e vêem
E surdo eu cego,
vermifugo para pia
olho a água
enraiveço quase nunca.
Domingo 8/Abr/2007/


I and Sun
I and End

Isso não é uma história de decadência, o que você faz e respondi: revista que circula nos cinemas e expliquei que era só uma revista de onze páginas quando muito. Falamos nessa revista de estréias e fofoca dos filmes, e pipoca. Linda você é e fico beijo transo. Às vezes isso acontece pouco pouco. Aí penso em isolation isolation, não sei falar inglês, não consegui, fiz vários e outros cursos mas. É porque não fiz nenhum intercâmbio pra fora, só para Bahia, voltei, disse oi mãinha, e me olharam com uma cara e esqueci o sotaque e a mãinha. Esse chefe, sempre passa por aqui, pode ver se não estou pesquisando, tô sim ó. Ele ganha o mesmo que eu, morre de raiva. Sabe falar inglês e morre de raiva, pergunto:
—Do you?
Ele responde assustado:
—O Que?
Nada não mesmo. Vou embora hoje na chuva. Odeio cinema e não é por causa do meu trabalho. Meu pé esquerdo é menor que meu outro pé. Ninguém mais sabe, os que sabiam morreram. O que nunca ninguém soube, souberam mas esqueceram porque disse rápido, é que sempre achei que tudo que caía em meu olho ia pra trás dele e ficava lá, caído num chão seco, cheio de pó, cisco, cílios, mosquitos.
Infinidade de coisas.

"Pleased to meet you
Hope you guess my name
But what's puzzling you
Is the nature of my game"
Rolling Stones